É Proibido Pescar
Mais de 70 trabalhadores do mar reivindicam direito histórico para capturar e comercializar produtos artesanais. Medida do Ministério Público pode afetar importante cadeia produtiva catarinense.
(*) William Wollinger Brenuvida
A expressão “mofas com a pomba na balaia”, muito conhecida no litoral catarinense, sobretudo nas praias onde os açorianos e madeirenses fincaram pé há mais de 200 anos, não poderia ser mais atual. O balaio do pescador está mais vazio, e a mesa do consumidor menos nutritiva. A polêmica acerca da ausência de informações sobre a nota do produtor rural; as restrições aos equipamentos utilizados por pescadores; e as incertezas sobre a legalização de áreas para cultivo de ostras, mexilhões, e vieiras. Esses temas foram debatidos na audiência pública para pescadores e maricultores, na última segunda-feira, 17.08, no plenário Paulo Stuart Wright, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina.
Sociedade civil organizada defende a pesca e maricultura
Além de pescadores e maricultores, a audiência pública recebeu deputados, vereadores e representantes do Ministério da Pesca. Entidades de classe, como o sindicato dos armadores (pesca industrial) e da Ordem dos Advogados de Santa Catarina (OAB-SC) também marcaram presença. O evento que contou com a presença de representantes das prefeituras de Florianópolis, Palhoça e Governador Celso Ramos, apontou dificuldades cotidianas da cadeia produtiva pesqueira catarinense. Maior produtor de pescados do Brasil, Santa Catarina ainda possui uma frágil estrutura que é incapaz de garantir proteção a quem produz; certezas para quem negocia; e facilidades ao consumidor interno e externo. Presente ao evento, o Presidente da Federação dos Pescadores de Santa Catarina, Ivo da Silva, foi firme ao enfatizar que há uma legislação que protege o direito da pesca, e que, as medidas do Ministério Público afrontam diretamente a maior mercado de peixes do país.
Toda essa polêmica surgiu quando o Ministério Público de Santa Catarina fez uma recomendação para cumprir o chamado Programa de Proteção Jurídico-Sanitária dos Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA). Este programa determina que produtos de origem animal, por exemplo, sejam comercializados sem que normas sanitárias sejam cumpridas. Entre estes produtos, estão peixes, moluscos e mexilhões. Para o pescador Luciano Pires, que representa as comunidades de Cacupé, Sambaqui e Saco Grande, em Florianópolis, o programa impacta diretamente o modo de vida do pescador e do maricultor que já havia abandonado a figura do tradicional pombeiro, uma espécie de atravessador dos pescados. “O Ministério Público de Santa Catarina com essa medida de proibir a venda direta de produtos do mar está reinventando o pombeiro. Vai ficar mais caro pescar e também consumir o pescado.”, diz Luciano Pires. A Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (CIDASC), presente ao evento, mencionou que está trabalhando para auxiliar pescadores e maricultores caso as medidas jurídicas endureçam.
Governador Celso Ramos, por exemplo, está a frente da capital Florianópolis no que se refere a nota do produtor rural. De acordo com o Diretor da Pesca Manoel Laurentino Bento, a Secretaria Municipal da Agricultura, Pesca e Maricultura têm exercido papel de orientação aos produtores do campo e do mar.
Apoio ao pescador artesanal
De acordo com o Secretário Municipal da Agricultura, Pesca e Maricultura Gil Marcos dos Santos, que representou a Prefeitura de Governador Celso Ramos na Audiência Pública, há uma flagrante disputa de competências legais e administrativas entre o Ministério da Pesca e do Meio Ambiente. “Apesar do Ministério da Pesca dar todo apoio que precisamos para os pescadores de Governador Celso Ramos, nós entendemos que muitas decisões não partem do Ministério da Pesca, e sim do Ministério do Meio Ambiente”, afirma Gil Marcos dos Santos.Além da polêmica sobre a nota do produtor rural, outra dificuldade aflige pescadores e maricultores do litoral catarinense: a burocracia operacional e a falta de informações em decorrência do conflito de competências nos governos federal, estadual e municipais.
O secretário reforça que o Instituto Chico Mendes para Biodiversidade (ICMbio) em Governador Celso Ramos, órgão ambiental, é parceiro no diálogo entre governo, pescadores e maricultores. “Outros municípios têm problemas com órgãos governamentais, mas em Governador Celso Ramos nós trabalhamos para existir diálogo e entendimento, facilitando a vida do trabalhador do mar”, diz Gil Marcos dos Santos. A Prefeitura defende um ordenamento legal que inclua mais o pescador, e a luta pela demarcação das áreas de cultivo da maricultura.
Como encaminhamento, a Audiência Pública formou comissão para dialogar com o Ministério Público Estadual e Federal – ausentes no evento – para reverter restrições impostas à venda de produtos dos artesanais, ou criar mecanismos que deem subsídio aos trabalhadores do mar. O que é de entendimento geral no campo, na cidade ou no mar é que não se pode proibir o direito à pesca, e sim buscar soluções equilibradas entre meio ambiente e cadeia produtiva dos pescados.
(*) William Wollinger Brenuvida, é jornalista (5177/SC)